03-04-2023
Marégrafo, o Nível do Mar e as Linhas de Nível Utilizadas em Cartografia
O marégrafo é o aparelho discreto, habitualmente montado numa casinhota junto à costa, que mede o nível das águas do mar, cujo valor médio é utilizado como referência para a definição das altitudes e consequentemente das linhas de nível usadas em cartografia.
Medir o nível médio das águas do mar não é fácil, pois as águas estão em constante movimento devido ao oscilar das ondas, aos ventos, às correntes e às marés. Quem olha para as ondas do mar percebe que oscilam de forma irregular e a dificuldade associada à medição do nível médio das águas. O processo envolve eliminar as oscilações rápidas, obter registos longos e depois fazer contas. Para automatizar este processo foi inventado um instrumento chamado marégrafo.
Os marégrafos são boias ligadas a um equipamento de registo. Hoje já incorporam uma vertente digital, mas os mais tradicionais consistiam num rolo de papel que rodava lentamente num tambor, com o ritmo marcado por um relógio. Uma caneta marca nesse papel o nível da boia. Esta última flutua num poço, em contacto com as águas do mar apenas pelo fundo. Dessa forma a boia está protegida das ondas e das oscilações mais rápidas das águas. Como se diz em estatística está-se a filtrar o ruído.
Reduzido ou eliminado o efeito das ondas, restam ainda oscilações aleatórias mais lentas, provocadas pelos ventos, pelas correntes, pelas alterações da pressão atmosférica e até pela passagem de navios. Por cima destas oscilações aparecem as marés (ondas largas, de período aproximado de 12 horas e 25 minutos). Os marégrafos registam todos estes movimentos, sendo depois necessário fazer vários cálculos para encontrar o nível médio das águas do mar.
No século XIX, quando foi feito o primeiro levantamento geodésico rigoroso do país, foi necessário referir a altitude de cada ponto ao nível das águas do mar. Usaram-se para isso os dados do marégrafo de Cascais.
O marégrafo de Cascais (1882) é um instrumento histórico, classificado como imóvel de interesse público que está localizado junto à Fortaleza, no Passeio de D. Maria. Foi com ele que se conseguiu calcular o nível médio das águas oceânicas na costa portuguesa. E foi com os seus registos que se calculou o Zero Hidrográfico, um mínimo absoluto que nem na maré mais baixa nem nas condições mais extremas é ultrapassado. O aparelho ainda hoje funciona, e os seus registos continuam a ser usados para fazer previsões rigorosas das marés.
Sabendo que o nível médio das águas do mar muda, o zero de referência da cartografia portuguesa teve de fixar um valor que servisse para cartas feitas em momentos diferentes. Adotou-se um zero altimétrico construído a partir de uma média dos dados registados pelo marégrafo de Cascais até 1938.
O marégrafo de Cascais é um dos poucos no mundo que funciona desde o século XIX e que está em contacto com as águas oceânicas - muitos outros estão dentro de portos fluviais ou semifluviais. Por isso, as séries registadas pelo marégrafo de Cascais estão entre as séries oceânicas mais longas que se conhecem. Estas são usadas para estudar a lenta alteração do nível do mar e outros fenómenos geofísicos de longo período. Sabe-se, por exemplo, que o nível médio das águas subiu cerca de 1,3 milímetros por ano ao longo do século XX. E o marégrafo de Cascais foi um dos instrumentos usados pelos cientistas de todo o mundo para medir essa subida.
Na Marina de Cascais, já existe um instrumento mais moderno, sem boia, que assenta o seu processo de medição do nível das águas por sinal acústico, e com transmissão direta de dados digitais. Mas atenção, o antigo marégrafo não é apenas um monumento histórico. O instrumento ainda funciona e serve para calibrar os dados do novo aparelho.
Artigos Relacionados:
👉 Follow @niuGIS
RELACIONADAS